Assunto será foco de curso de atualização que está com inscrições abertas.
Os primeiros impactos das leis de abuso de autoridade e anticrime no sistema jurídico brasileiro foram debatidos na última quarta-feira (05/8) em um webnário promovido pela Escola Superior da Magistratura Federal do RS (ESMAFE/RS) ao vivo pelo YouTube. O evento, gratuito para estudantes e público em geral, teve a mediação da desembargadora federal Salise Monteiro Sanchotene e a participação de quatro professores de Direito Penal e Direito Processual Penal: os juízes federais Frederico Valdez Pereira, diretor de ensino da Escola, e Gerson Godinho da Costa; o procurador regional da República Douglas Fischer e o promotor de Justiça do RS Alexandre Aranalde Salim.
Conhecida como Lei de Abuso de Autoridade, a Lei nº 13.869/2019 é válida para servidores dos Três Poderes. Ela tornou crime 45 condutas de agentes públicos, as quais podem ser punidas até com prisão. Já a Lei nº 13.964/2019, popularmente conhecida por Lei Anticrime, trouxe novas regras para acordos de delação premiada, o novo critério para definir a legítima defesa e a previsão de prisão imediata após condenação pelo tribunal do júri, entre outras mudanças.
Alterações duvidosas
A desembargadora Salise Sanchotene abriu o debate contextualizando a aprovação de cada legislação e frisando que a Lei de Abuso de Autoridade surgiu de um projeto que tramitava há muito tempo no Congresso Nacional. “Efetivamente era necessário fazer uma alteração. A lei que nós tínhamos era de 1965. Ela era defasada e nasceu em uma época muito conturbada do país”, lembrou. Entretanto, destacou a magistrada, essa atualização apresenta diversas incoerências. “Ficou parecendo uma proposta vingativa em relação a tudo que a Lava Jato promoveu no país”, acrescentou.
Sobre a Lei Anticrime, a magistrada destacou que a mudança afetou 17 leis no país, em dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de Execuções Penais. “De uma forma contundente afetou procedimentos que nós usualmente trabalhamos no nosso cotidiano e acabou trazendo, dentro dessa reforma também, que teve iniciativa no Ministério da Justiça, projetos de lei que já andavam de forma isolada e foram simplesmente importados para dentro dessa aprovação relâmpago”, enfatizou. Conforme Salise, a aprovação ocorreu sem uma visão sistêmica e sem verificar a congruência entre aquilo que estava sendo trazido e o processo penal como um todo.
Juiz de garantias
Um dos pontos mais polêmicos da Lei Anticrime foi a criação do juiz de garantias. Alvo de ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), a aplicação dessa figura foi suspensa temporariamente por decisão do vice-presidente da corte, ministro Luiz Fux.
“No Brasil todo o juiz do processo é um juiz de garantias”, entende o procurador Douglas Fischer. Durante sua participação no debate, ele salientou que, sobretudo na fase de investigação, o magistrado trabalha e atua como um garantidor nas questões que tratam da reserva da jurisdição, sendo desnecessária para nosso sistema jurídico essa implementação. Para ele, o problema está no impedimento. “Se há uma presunção de parcialidade, de comprometimento, por que não há um juiz de garantias no segundo grau, no terceiro grau ou no STF?”, questionou. O procurador acrescentou ainda que as análises de possíveis suspeições devem acontecer nos casos concretos.
Colaboração premiada
A Lei Anticrime trouxe poucas alterações no que tange à delação premiada. Entre poucos pontos, determinou que, além de sigilosa, a negociação terá, necessariamente, o acompanhamento do advogado do investigado, e que a delação poderá ser negada, por meio de decisão fundamentada. Ficou estabelecido ainda que, em todas as fases do processo, o réu delatado tem o direito de se defender após o fim do prazo da manifestação do colaborador. Já havia entendimento do STF nesse sentido.
Segundo o juiz Frederico Valdez, os legisladores foram omissos e perderam a oportunidade aperfeiçoar essa ferramenta. “Me parece que deveria haver uma regulação muito mais aprofundada e ampla de benefícios para o colaborador”, destacou, chamando atenção para o limite de redução das penas. A Lei da Delação estipula que essa redução é de no máximo 2/3. Conforme ele, muito difícil um advogado de réu com pena superior a 120 anos, como em alguns casos apreciados na Lava Jato, ficaria interessado em instruir seu cliente a colaborar.
Abuso de autoridade
Entre as ações que se tornaram crime pela Lei de Abuso de Autoridade estão determinar a prisão que não esteja em acordo com as situações previstas em lei; fazer interceptação telefônica, informática ou telemática sem autorização judicial; abrir investigação sem indício de crimes; ou decretar o bloqueio de bens e dinheiro em valores que extrapolem muito a estimativa da dívida.
De acordo com o juiz Gerson Godinho, um dos problemas da lei é sua direção quase que exclusiva a magistrados, membros do Ministério Público e agentes policiais. “Em vez de chamar de Lei de Abuso de Autoridade, deveríamos chamar ela Lei de Abuso de Autoridade Penal Criminal pois praticamente todos os tipos previstos nela, direta ou reflexamente, estão relacionados a investigação e a processamento de fatos delituosos”, ressaltou. “Ninguém deve ser contra o repúdio a abusos de poder. A questão é, me parece, identificar claramente os abusos e, de maneira proporcional e razoável, estabelecer as condições adequadas como se exige a qualquer tipo de ação penal”, acrescentou.
ESMAFE/RS promoverá curso de atualização sobre o tema
Entre os dias 19 e 22/8, a ESMAFE/RS vai realizar o curso de atualização ‘Abuso de Autoridade e Lei Anticrime - Apontamentos Iniciais’. (https://www.esmafe.org.br/web/cursos_atualizacao_det.php?curso=292 ) Durante o webnário, o promotor Alexandre Salim falou sobre pontos que serão estudados de maneira aprofundada nas aulas. As inscrições são para a modalidade online, e a carga horária é de 12h.
Para rever o webnário na íntegra basta acessar o canal da ESMAFE/RS no YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=JvnpQvZWeLM